Sunday, September 24, 2006

DE VOLTA AO 'ATOLEIRO LIBANÊS'











Artigo publicado em INTER RELAÇÕES – FASM/SP. Ano 6, nº 23. Outubro/2006. ISSN: 1808-2831
Disponível em: http://www.fasm.edu.br/index.php/240

de Renatho Costa*

Durante o período em que transcorreu a Segunda Guerra Civil Libanesa[i] (1975-90) o mundo assistiu extasiado ao fratricídio que lá ocorria mas não conseguiu utilizar os meios legais para impedi-lo. De fato, até que tentou fazer uso de alguns mecanismos disponíveis, como as Resoluções do Conselho de Segurança da ONU[ii] – que criaram uma força de paz para a região (UNIFIL) e que, a partir de 1978, passaram a repudiar com veemência a presença israelense no país, exigindo sua retirada –, mas não surtiram efeito e os massacres continuaram acontecendo.
Poderíamos, então, aventar possibilidades para a ineficiência da ONU; questionar o quão multilaterais são as decisões do Conselho de Segurança; colocar em dúvida os interesses geopolíticos dos Estados Unidos no Oriente Médio durante o período da Guerra Fria – que transcorreu paralelamente à Guerra Civil libanesa. Poderíamos, se assim quiséssemos, insinuar que os Estados Unidos pautam sua política externa para Oriente Médio com base nos interesses do Estado de Israel.

Nesse jogo de possibilidades, podemos estabelecer desencadeamentos lógicos que explicam muitos fatos. Esclarecem quem são os culpados e os inocentes, os vilões e os mocinhos, os radicais e os ponderados, etc. Para isso basta escolher uma maneira específica de perceber os acontecimentos mundiais que, impregnado por ela, já virão pré-concebidas as perguntas e respostas. Dito isso, poderíamos emprestar os olhos neoconservadores do presidente Bush que a explicação para os ataques contra o Líbano, em julho último, estaria fortemente embasada nos pressupostos da guerra preventiva e da guerra contra o terror.
É por esse prisma, também, que o posicionamento de Israel acerca de seu ataque contra o Líbano se apresentou. Muito mais que simplesmente estar reivindicando os corpos dos soldados mortos pelo Hezbollah, estava tentando impedir que uma situação fora de seu controle pudesse vir a acontecer. Essa situação se caracterizaria por um possível incremento do potencial bélico do Hezbollah que, por sua vez, colocaria em risco a segurança das localidades ao norte de Israel e, quiçá, Tel Aviv e outras cidades mais ao sul.
Olhos menos atentos ao risco suscitado por Israel, ou que adotassem outro viés, poderiam entender que os ataques que destruíram praticamente toda a infra-estrutura do Líbano em pouco mais de um mês e mataram mais de mil pessoas – menos de 10% eram membros do Hezbollah –, advieram de um país que mantém vivo os ideais proclamados pelo Movimento Sionista na Conferência de Paz de Paris (1919), quando pretendiam criar o “Lar Nacional Judeu” cuja fronteira ao norte seria o Rio Litani e, ao sul, o Sinai.
A proposta sionista não foi aceita internacionalmente e o Estado de Israel foi criado obedecendo outras delimitações, entretanto, conforme Saad-Ghorayeb nos expõe, a doutrina defendida pelo Hezbollah faz outra leitura dos fatos e continua entendendo que o movimento sionista, assim como o Estado de Israel, possuem características expansionistas e pretendem concretizar um projeto bíblico.

A judaização da Palestina não é o objetivo final do projeto Sionista, mas é meramente o primeiro passo em direção do estabelecimento do ‘Eretz Israel’ (a Terra de Israel), ou a judaização da região inteira. (...) o objetivo final Sionista é realizar o sonho bíblico judaico de expandir [suas terras] do Nilo ao Eufrates, o qual está simbolizado pelas duas barras azuis de cada lado da Estrela de David, na bandeira de Israel. O ‘Grande Estado Israelense’, com isso, alcançaria partes do Egito, Síria e Iraque, e, integralmente, a Palestina, Jordânia e Líbano; os quais tornar-se-iam judaizados no processo. (Saad-Ghorayeb, 2002: 141)

O Hezbollah, no intuito de reforçar sua tese, aponta dois momentos históricos em que a proposta expansionista israelense teria sido colocada em prática, quais sejam, em 1978, quando Israel efetuou a ‘Operação Accountability’ e prolongou suas fronteiras até o Rio Litani e, em 1982, por ocasião da ‘Operação Paz para a Galiléia’, quando foi estabelecida a ‘Zona de Segurança’ entre os dois Estados, consumindo aproximadamente 10% do território libanês.
Como torna-se perceptível, o conflito entre Hezbollah e Israel pode ser visto através de várias lentes e os argumentos variam de acordo com a (boa)vontade e (im)parcialidade dos analistas, entretanto, esses dois aspectos suscitados somente fazem parte da miríade de possibilidades disponíveis para entendermos o conflito. Se fizéssemos uma abertura mínima na lente da câmera, que ora coloca o Líbano sob foco, já perceberíamos que outros atores também estão envolvidos no problema, muitos dos quais prefeririam permanecer à margem dos fatos pois não têm como se posicionarem sem que isso gere ainda mais tensão.
Um dos primeiros atores que logo perceberíamos nessa ampliação do campo visual seria o Presidente libanês Emile Lahoud. Qual a sua relevância nos ataques de julho? Grande, se considerarmos que uma das alegações do governo israelense é de que o Líbano deve responsabilizar-se pelas ações do Hezbollah, haja vista reconhecê-lo oficialmente como partido político e milícia. Com base nessa legitimidade adquirida junto ao Estado e, uma vez que o governo nada fez para evitar que a milícia xiita implementasse suas ações militares contra Israel, por conseguinte, os israelenses entendem que o Líbano deva ser co-responsabilizado por sua complacência.
De fato, o posicionamento de Lahoud nessa questão requer muito cuidado. Na qualidade de aliado político de Assad[iii] que, por sua vez, é um dos apoiadores do Hezbollah, a tomada de qualquer medida formal contra a organização xiita iria de encontro à intenção síria de manter a tensão entre Israel e Hezbollah. A lógica desse conflito, segundo o ponto de vista sírio, seria: enquanto houver tensão e a Síria exercer certo poder de influência sobre o Hezbollah haverá a possibilidade de, numa suposta futura negociação de paz, Assad incluir a devolução das Colinas de Golã como pré-requisito. Por outro lado, Lahoud também encontra-se de mãos atadas no que tange à discussão acerca do sistema político confessional libanês. Se, em 1932, o Censo populacional apontava para uma pequena maioria de cristãos sobre os muçulmanos (52% contra 48%, respectivamente), essa relação mudou-se drasticamente e, nos dias de hoje, temos mais de 65% da população libanesa formada de muçulmanos. Entretanto, a participação da comunidade muçulmana, principalmente a xiita, no sistema político continua limitada. Assim, para que a discussão acerca dessa disparidade não ganhe força, Lahoud, e a comunidade cristã libanesa, preferem distanciar-se das ações do Hezbollah e considerá-las legítimas. Estabelece-se, dessa forma, o jogo dos desentendidos. O Hezbollah continua agindo legalmente como partido político e milícia, sem questionamentos do Estado, e, em contrapartida, o sistema confessional continua sendo apenas discutido, sem necessidade de avanços efetivos.
Se ousarmos abrir a lente do conflito ainda mais, perceberemos a presença do Irã em solo libanês. Não da mesma forma que os sírios, mas na ideologia – islamismo – dos xiitas do Hezbollah. A difusão do islamismo ganhou ainda mais força com o financiamento dos projetos sócio-religiosos do Hezbollah no sul do Líbano, Vale do Bekaa e subúrbios de Beirute. Com a ausência do Estado nessas localidades o Hezbollah criou sua rede assistencial – muitas vezes também utilizada por outros grupos religiosos – e, com isso, conquistou um outro tipo de legitimidade mais difícil de ser questionada, aquela atribuída diretamente pelo povo.
Num cenário complexo como o libanês, onde questões como o uso do termo nação tem de ser empregado com algumas reservas e que a presença islamista ainda tenta encontrar seu espaço na sociedade e na política, a re-inserção de Israel no Líbano parece ter sido um crasso erro estratégico. Quando Ehud Olmert deu a ordem para invadir o Líbano, talvez não soubesse que traria, agregado a ela, o passaporte para o atoleiro libanês – como era conhecida a situação do Líbano durante a Segunda Guerra Civil, entrar era fácil, difícil era sair.
Se o intuito de Olmert era reaver os corpos dos soldados israelenses, ainda não conseguiu. Se seu objetivo era destruir as bases lançadoras de mísseis do Hezbollah e acabar com o poder de fogo da organização, também não é possível afirmar que tenha alcançado pleno êxito a ponto de desarticulá-la. Se a intenção do primeiro-ministro israelense era fazer com que a população libanesa repudiasse o Hezbollah, o efeito pode ter sido inverso, fortaleceu seu reconhecimento como Resistência. Se Olmert pretendia obter o aval da comunidade internacional em sua estratégia, suscitando o direito de revidar a uma agressão, também não foi feliz nessa questão, tamanha a desproporcionalidade de sua reação.
Parece que Olmert não considerou a trajetória de Ariel Sharon ao optar pelo ataque ao Líbano. Sharon levou 18 anos para conseguir sair do atoleiro libanês, mesmo assim não podemos dizer que tenha conseguido fazê-lo completamente[iv]. Olmert deveria ter aprendido com essa lição e optado por caminhos menos desgastantes para alcançar seus objetivos – por mais obscuros que possam ser.
O resultado final, mas não definitivo, desse imbróglio é um Líbano destruído, sua população valorizando a bravura do Hezbollah e Israel sem saber o que fazer a seguir. De fato, parece que o único ator que saiu bem na foto foi o Hezbollah, apesar de estar com os pés sujos de lama.

* Bacharel em Relações Internacionais (FASM), Mestrando em História (FFLCH-USP) e membro da ADI-FASM.

Bibliografia
DEL PINO, Domingo. A Tragédia do Líbano: retrato de uma guerra civil. São Paulo: Editora Clube do Livro, 1989.
JABER, Hala. Hezbollah, born with a vengeance. New York: Columbia University Press, 1997.
SAAD-GHORAYEB, Amal. Hizbu’llah – Politics and Religion. London: Pluto Press, 2002.

[i] Os enfretamentos militares entre grupos religiosos distintos em várias localidades do Líbano, durante o ano de 1958, acabaram sendo considerados como a Primeira Guerra Civil Libanesa. Esses conflitos foram contidos com a interferência dos Estados Unidos, aliados dos cristãos maronitas que ocupavam a presidência do Líbano na ocasião. Para tanto, o apoio estadunidense foi suscitado com base na ‘Doutrina Easenhower’.
[ii] A primeira Resolução do Conselho de Segurança com essa finalidade foi a nº 425, de 1978.
[iii] O mandato de Lahoud deveria encerrar-se em 2004, sem direito à reeleição – conforme estabelece a Constituição –, entretanto, graças à pressão exercida pelo governo sírio sobre o Parlamento libanês houve a aprovação de uma emenda constitucional que estendeu seu mandato por mais três anos, ou seja, até 2007.
[iv] Apesar de a ONU reconhecer que o Estado de Israel cumpriu a Resolução 425 e abandonou completamente o Líbano, o Hezbollah alega que ainda vai continuar lutando pela soberania do país uma vez que a região conhecida por Shebaa Farms ainda encontra-se sob domínio israelense. Por sua vez, Israel alega ter conquistado tal região da Síria, durante a Guerra dos Seis Dias (1967). A Síria não reconhece Shebaa Farms como sendo sua propriedade e o governo libanês reclama seus direitos, assim, reforça-se o sentido de legitimidade da luta do Hezbollah contra Israel pelo restabelecimento da soberania territorial do Líbano.

Saturday, August 05, 2006

ENTREVISTA À RÁDIO CULTURA FM

PROGRAMA "ATENÇÃO BRASIL"


Segunda-feira, 31 de julho de 2006.

Entrevista concedida à repórter da Rádio Cultura, Sirlei Ribeiro.

REPÓRTER: A criação de um estado islâmico no Líbano é um dos ideais do Hezbollah, mas dificilmente o grupo xiita conseguirá atingir esse objetivo, na visão do pesquisador paulistano Renatho Costa. O status que a organização atingiu na democracia libanesa é o principal obstáculo para um regime nos moldes da República Islâmica do Irã.

RENATHO COSTA: O Hezbollah, apesar de ser uma organização islamista, ela é bastante pragmática. Então, ela foi se transformando dentro do histórico recente do Líbano. O Hezbollah aceita se tornar um partido político, e depois, posteriormente participar das primeiras eleições pós-Guerra Civil no Líbano. Então, a partir daí a gente já entende que é uma organização diferenciada das outras islamistas puras. Porque não seria compatível com a filosofia, com o pensamento islamista, essa participação política.

Ouça a entrevista completa através do áudio, clicando abaixo.

Tuesday, August 01, 2006

DE VOLTA PARA O FUTURO

O LÍBANO TORNA-SE REFÉM DE SUA PRÓPRIA HISTÓRIA

Renatho Costa*

Depois de mais de uma semana de mortos e feridos nos confrontos entre Israel e Hezbollah, não há muito a fazer exceto tentar entender as motivações para uma ação de proporções tão desmedidas. A desproporcionalidade com que os israelenses revidaram ao seqüestro e assassinato de seus militares na fronteira entre o Líbano e Israel foi algo inesperado. Não que o passado dos conflitos entre esses atores não levasse a uma conclusão como essa, haja vista poderem ser listados vários conflitos e massacres nos diversos enfrentamentos entre eles, mas nesse momento em que contabilizam-se quase quinhentos mortos e, somente 10% deles são israelenses, faz-se necessário parar e refletir acerca dos fatos.
Decidir atacar o Líbano e partir para o extermínio dos integrantes do Hezbollah teria sido a razão que levou Israel a mobilizar suas tropas na fronteira entre os dois países e iniciar os bombardeios sobre o Líbano. Uma estratégia repetida, se nos reportarmos aos idos dos anos de 1980, quando a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) atuava livremente no Líbano, tendo, inclusive, o respaldo do governo libanês e da comunidade árabe para permanecer no sul do país
[i] e estruturar sua ofensiva contra Israel. Naquele momento, liderados pelo General Ariel Sharon, os exércitos israelenses marcharam sobre o Líbano até chegarem em sua capital, Beirute. O ano era 1982 e essa ação militar passou a ser conhecida por ‘Paz para a Galiléia’. De fato os israelenses conseguiram alcançar seus objetivos e expulsaram Yasser Arafat (líder da OLP), sua cúpula e comandados para fora do país, exilaram-se na Tunísia.
Contudo, não é possível deixar de mencionar o rastro de violência que essa ação deixou no Líbano, principalmente em episódios como o ocorrido no subúrbio de Beirute, onde encontrava-se o campo de refugiados palestinos de Sabra e Shatila. Entre os dias 16 e 18 de setembro daquele ano, a milícia falangista
[ii] adentrou ao campo de refugiados e promoveu o extermínio de quase dois mil palestinos, sendo em sua maioria, mulheres, crianças e idosos. Durante a ação dos falaginstas o exército israelense cercou Sabra e Shatila e não deixou que ninguém entrasse no local.
De fato a comunidade internacional externou sua insatisfação com a atitude dos israelenses e, mesmo dentro de Israel o General Sharon teve de prestar esclarecimentos à Comissão Kahan
[iii], que fora instituída para analisar o procedimento de seus militares. Internacionalmente Sharon foi condenado por genocídio por um tribunal instituído na Bélgica, contudo, nunca chegou a ser preso e conseguiu reerguer sua carreira política em Israel alcançando, posteriormente, o posto de primeiro-ministro.
Mesmo diante das atrocidades ocorridas no Líbano durante o ano de 1982, o exército israelense permaneceu na capital até que a pressão internacional fez com que Beirute fosse evacuada. Com o recuo, Israel permaneceu estacionado no sul do país, onde criou a ‘Zona de Segurança’ – uma região que contornava a fronteira entre os dois países e que ocupava 10% do território libanês. A razão alegada para a criação da ‘Zona de Segurança’ subsistia no fato de que preservando aquele território, o norte do Estado de Israel permaneceria livre dos ataques aéreos das forças da OLP – ou qualquer outro grupo de resistência.
A dominação do sul do Líbano por parte de Israel perdurou até 2000, quando a milícia
[iv] que lhe dava apoio em solo libanês não agüentou à pressão do Hezbollah e desmobilizou-se. Fragilizado e sofrendo pressões por parte da Comunidade Internacional, Israel estabeleceu um plano de retirada do Líbano, contudo teve de deixar o território antes do esperado.
O fato de Israel ter deixado o Líbano transformou-se num momento emblemático na história libanesa, tanto para muçulmanos quanto para cristãos, haja vista a luta pelo restabelecimento da soberania libanesa já era algo almejado pela população do país de maneira geral e não por apenas um segmento social. Assim, o Hezbollah, que era o principal grupo a fazer frente aos israelenses no sul do Líbano, teve sua imagem potencializada no Líbano e no mundo árabe tornando-se o único exército a vencer os israelenses, algo que nenhum Estado árabe havia conseguido até então.
Perante esse novo status assumido pelo Hezbollah é importante que o grupo – também partido político e guerrilha – seja visto através de perspectivas mais amplas. Isso porque, não se pode abstrair seu histórico xiita e sua ligação com o mundo árabe e muçulmano.
Retomando aos fatos que ora pontuam as primeiras páginas dos principais jornais do mundo devido à violência dos ataques israelenses, cabe perguntar se a mesma estratégia assumida contra a OLP teria efeito no Hezbollah. De antemão a resposta parece ser negativa. A OLP era uma organização estrangeira, que, apesar de ter ganho bastante espaço de atuação em território libanês, não contava com o real apoio da população, apenas servia como objeto de barganha durante o período da Guerra Civil. O apoio dado à OLP e aos palestinos, de modo geral, estava ligado a interesses dos atores externos ao conflito como Síria e EUA. Tanto é perceptível que a Síria em determinados momentos apoiou a OLP e em outros colocou seus exércitos contra ela no Líbano. O Hezbollah, apesar de servir aos interesses da Síria, sofria com a presença da OLP no sul do Líbano, tendo em vista que era alvo freqüente da artilharia israelense, assim, também alternou seu apoio à OLP de maneira mais pragmática.
É verdade que havia, como ainda há, questões em comum entre o Hezbollah, OLP, Hamas, Fatah e a al-Qaeda, e a principal delas é a luta aberta contra Israel. Entretanto, a ligação do Hezbollah com o Líbano tem de ser melhor apreciada considerando o fato de que não será a ação militar de Israel que fará com que os xiitas deixem de acreditar em seus ideais ou abandonem seu próprio território. O Hezbollah não é a OLP e tampouco atua da mesma maneira. As ações do Hezbollah freqüentemente focam alvos militares, diferentemente das demais organizações citadas que buscam, através do terror provocado aos civis, alcançar seus objetivos. Entretanto, não é possível afirmar que o Hezbollah nunca tenha gerado a morte de civis.
Assim, partindo dessa premissa de que são organizações distintas na forma de atuar, é provável que mesmo que Israel destrua o Líbano com seus bombardeios, não conseguirá acabar com o Hezbollah, porque ele sobreviveu aos anos de guerra civil e à ocupação israelense de seu território e não será a destruição de suas bases, ou parte de seu arsenal, que diminuirá o ímpeto da organização. O que pode haver é uma mudança de estratégia de ação, ou seja, a utilização de atentados terroristas para compensar a impossibilidade de ataque de forma convencional.
Não é possível esquecer que no início dos anos de 1980 o Hezbollah ficou caracterizado pela eficiência de seus ataques contra os efetivos militares dos EUA, França e Israel. Ações que levaram os Estados Unidos a repensarem sua atuação no conflito e retirarem seu efetivo militar que fazia parte das tropas da ONU que atuavam no Líbano durante a Guerra Civil. Em 1983, apenas em uma ação do Hezbollah, formam mortos 241 militares estadunidenses que compunham as tropas da ONU. Em um atentando ao quartel militar nas proximidades do aeroporto internacional de Beirute, a explosão de um caminhão provocou uma mudança substancial no panorama da Guerra Civil. O Hezbollah mostrou que teria condições para lutar em outros campos que não o da guerra convencional, onde estava nitidamente inferiorizado.
Seguindo uma linha paralela de atuação, o Hezbollah servia para fazer frente à ocupação israelense e, ao mesmo tempo, buscar uma maior representatividade da comunidade xiita no panorama político libanês, em que havia a predominância dos maronitas e dos sunitas.
A presença dos xiitas à margem das decisões libanesas é fruto de acordos que remontam ao Pacto Nacional, que fora firmado entre os principais grupos religiosos libaneses e propiciou a independência do Líbano em 1943
[v]. Efetivamente, quem trabalhou em prol da construção de um sentimento nacional que levaria à independência foram os sunitas e maronitas. Assim, o poder político acabou permanecendo na mão desses dois grupos. Segundo a divisão estabelecida por eles, a presidência da república seria de competência de um cristão maronita e o cargo de primeiro-ministro caberia a um muçulmano sunita. Posteriormente os xiitas conseguiram o direito de nomearem o chefe do parlamento.
No tocante à representação política no parlamento, estabeleceu-se a fórmula de 6:5 em favor dos cristãos. Isso com base no Censo realizado em 1932 e que mostrava uma ligeira maioria cristã de 52% contra 48% de muçulmanos. Os cargos na burocracia libanesa também deveriam seguir essa proporção, contudo, logo percebeu-se que tal fórmula não seria seguida à risca e o sectarismo prevaleceria nas relações políticas.
Os privilégios dos maronitas geraram tensões junto aos demais grupos religiosos o que desencadeou a Primeira Guerra Civil em 1958. Ela teve alcance reduzido e contou com interferência militar estadunidense para que não se alastrasse por todo o país.
Um fato que chama a atenção da trajetória libanesa é que o consenso sempre fora construído com a interferência externa, ou seja, servia apenas para resolver problemas momentâneos mas que voltavam a ressurgir posteriormente. Nesse caso, em 1958 não houve qualquer arranjo político para que os xiitas obtivessem uma maior representatividade no Estado, tampouco o sectarismo maronita deixou de existir.
Nesse panorama de desentendimentos, a Segunda Guerra Civil, que teve início em 1975, ocorreu potencializada e com a presença de um ator agora influente, a OLP. O campo de batalha que foi criado no Líbano servia para resolver os problemas internos de seus nacionais e as questões que pontuavam no Oriente Médio. Assim, temos a entrada da Síria no conflito em 1976, de Israel em 1978 e do Irã, indiretamente, a partir de 1979.
Os Estados Unidos procuravam defender seus interesses geopolíticos na região utilizando-se, algumas vezes do Estado de Israel e, em outras, participando das forças de paz da ONU. Entretanto, com a presença efetiva do Hezbollah no conflito, a guerra teve de ser repensada, haja vista seu poder destruidor ser inesperado.
Apesar de o Líbano ter sido praticamente destruído nos quinze anos que a guerra civil se prolongou, um fato merece atenção: o enfraquecimento do Estado proporcionou com que o Hezbollah assumisse suas funções em diversas localidades no Líbano. Isso ocorreu por várias razões, mas principalmente porque os dirigentes políticos libaneses nunca se preocuparam com a camada mais pobre da população e continuaram governando em prol de interesses regionais, ou seja, para a sua comunidade ou aquela que lhe dava apoio político.
Assim, diante de uma situação adversa para a comunidade xiita, o Hezbollah assumiu as funções do Estado e, contando com o apoio financeiro do Irã, conseguiu criar uma extensa rede de comunicação, saúde, educação e religiosa. Nas localidades mais distantes do Líbano, onde o governo não chegava, o Hezbollah construía suas estruturas. Por isso, o sul do Líbano e o Vale do Bekaa são os locais onde contam com a maior estrutura do Hezbollah. Também nos subúrbios xiitas de Beirute encontra-se a rede de assistência do Hezbollah. Porém, essa rede de assistência não é exclusividade da comunidade xiita, libaneses de outras religiões também a utilizam.
De certa forma, a própria estrutura política libanesa e suas deformações fizeram com que o Hezbollah ganhasse mais notoriedade. Esse fato foi referendado quando, em 2000, Israel deixou o sul do Líbano. Ali, a organização xiita já contava com o apoio bem maior que simplesmente de seu segmento religioso, o Hezbollah carregava o desejo de liberdade do povo libanês.
A etapa posterior foi de grande importância para que o Hezbollah provasse sua institucionalidade, até porque, após 1990 o que era apenas um grupo de guerrilha também se transformou num partido político. Se não mais havia o Estado de Israel ocupando o território libanês, então o Hezbollah deveria seguir o que designava o Acordo de Taif
[vi] e depor as armas, como fizeram as demais milícias após o final da Segunda Guerra Civil, entretanto, uma nova questão interpôs-se a esse fato: segundo o Hezbollah, Israel ainda ocupava uma área conhecida como Shebaa Farms – região localizada entre Líbano, Síria e Israel. Contudo, de acordo com os israelenses, tal região foi conquistada junto à Síria na mesma ocasião em que também obtivera as Colinas de Golã. A Síria não reconhece a região como sendo sua, mas, sim, libanesa.
Ao utilizar esse recurso questionável para não depor as armas, uma vez que a ONU já concluíra que Israel deixara o território libanês, o Hezbollah lançou mão desse artifício para que a manutenção de seu exército não colidisse com os interesses do partido político e do Estado libanês. Dessa forma, a milícia xiita preservou seu poderio de fogo para poder negociar outras questões em âmbito local e regional.
Como a estrutura política libanesa faz com que a comunidade muçulmana seja preterida e os governantes não conseguem encontrar uma fórmula que equilibre essa perda sem fazer com que seus grupos tenham o poder de decisão e econômico reduzidos – mesmo sendo minoria no país – o Hezbollah é aceito como uma forma de compensação. Se os xiitas não têm os mesmos benefícios que os demais cidadãos libaneses e o Hezbollah os compensa – mas para isso mantém uma milícia –, é mais vantajoso o governo maronita aceitar esse fato que assumir tais responsabilidades.
Assim, o Hezbollah tem certo aval para atuar no Líbano como partido político e como milícia. Esse fato também não era tão questionado antes da saída das tropas sírias do Líbano em 2005. Isso porque não havia liberdade de imprensa para se fazer tal questionamento e o Hezbollah servia aos interesses diretos do governo sírio, uma vez que preservava tensa a região entre sua fronteira com Israel.
Uma análise do sistema político libanês a partir de qualquer modelo analítico de democracia poderia nos indicar que o país não vivia uma real democracia devido à restrição de liberdade do povo e a equação montada para representar os diversos grupos religiosos existentes no país, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Talvez, diferentemente do que se apregoava na imprensa internacional, o Líbano não vivia um estado de democracia plena, mas sim um regime liberal.
Já tornara perceptível que, com a saída da Síria do território libanês, o país estava conseguindo alcançar maior autonomia e gradualmente viria a questionar a presença do Hezbollah como milícia no país. Mas antes de partir para uma ofensiva contra o Hezbollah, o governo teria de buscar o equilíbrio entre os grupos religiosos. Criar compensações para que a população libanesa clamasse pela desmilitarização da organização, da mesma forma que o movimento contra a presença Síria no Líbano ganhou as ruas. O Hezbollah deveria perder a legitimidade de atuação junto à comunidade libanesa para que fosse questionado.
Não havia condições políticas para que o governo maronita se posicionasse contra o Hezbollah sem que isso reavivasse os mesmos sentimentos que levaram à Segunda Guerra Civil. Por isso havia a tolerância.
Quando Israel resolveu atacar o Líbano e culpá-lo por aceitar a presença do Hezbollah (como milícia) em seu território, nada mais fez que colocá-lo em xeque diante da situação mais tênue que o governo vivia. O equilíbrio que vinha sendo buscado há anos foi perdido.
O governo libanês foi obrigado a não posicionar-se enfaticamente contra o Hezbollah e assim abriu caminho para que Israel continuasse a destruir o Líbano. Porque torna-se evidente que não é possível destruir as bases do Hezbollah e sua estrutura sem fazer o mesmo com o país.
Quando o governo israelense alega que não efetuou uma reação desproporcional contra o Hezbollah e utiliza como argumento de defesa o fato de haver um risco crescente, nada mais está fazendo que retornando à teoria de Bush da Guerra Preventiva. Destruir o inimigo antes que ele tenha possibilidade de fazer o mesmo contra mim. O problema é que não se pode afirmar, de fato, que tal situação pudesse vir a acontecer. A Guerra Preventiva de Bush contra o Iraque comprovou que não havia o risco real que o governo estadunidense apregoava. Hoje o país está cindido e as perspectivas não são as melhores.
Fazer um prognóstico sobre o que pode vir a acontecer no futuro próximo é um exercício difícil, mas dois cenários sobressaem aos demais nesse momento: em um primeiro pode-se esperar o avanço das tropas israelenses sobre o território libanês e a ampliação da destruição do país. O governo libanês já posicionou-se contra a estratégia israelense e ameaçou colocar seus exércitos para defender o país. Uma atitude retórica, haja vista o exército libanês ser inferior ao potencial do Hezbollah. Preservaria a unidade do Estado mas não reduziria sua destruição.
Num segundo cenário, caso o governo libanês acate as reivindicações de Israel e inicie uma campanha contra o Hezbollah, corre-se o risco de iniciar uma Terceira Guerra Civil. Novamente teríamos cristãos contra muçulmanos e esses contra israelenses. Abriria o caminho para que outros atores participassem da guerra de maneira indireta, como ocorreu em outras oportunidades. A população libanesa acabaria refém dos problemas que circundam o Oriente Médio e que encontrariam campo fértil para serem resolvidos em seu solo.
Ainda, não é possível deixar de considerar a importância de dois outros atores nesse conflito: Síria e Irã. Para a Síria é primordial que o Hezbollah continue atuando como uma milícia no Líbano, assim poderá mantê-lo defendendo seus interesses frente a Israel sem precisar expor-se. Preservar o Hezbollah ao seu lado é fundamental para sua estratégia, uma vez que, apesar de a Síria ainda contar com aliados políticos no Líbano, não mais exerce o poder de influência que tinha até 2005.
Quanto ao Irã, além da ligação religiosa com o Hezbollah – o qual reconhece o Aiatolá Khamenei como sendo seu guia espiritual –, há a questão estratégica. O Hezbollah, desde sua criação, sempre foi o maior porta-voz da Revolução Islâmica e defende a criação de um estado islâmico no Líbano nos moldes do Irã
[vii]. Também apregoa a luta contra o Estado de Israel, visto pelos fundamentalistas islâmicos como o usurpador. Preservar uma milícia xiita que conseguiu afrontar os israelenses é de fundamental importância para a difusão da proposta fundamentalista, além do que, enquanto a discussão estiver focada no Hezbollah, o Irã deixa de estar sob a mira dos Estados Unidos e pode desenvolver seus experimentos nucleares com mais tranqüilidade.
O que se pode apreender desse conflito é que a situação no Oriente Médio somente tende a piorar com a demora na resolução do desentendimento entre Líbano e Israel. Mais civis morrerão nos dois países e dificilmente o Hezbollah aceitará depor as armas. O ideal seria partir para a negociação em outras bases, contudo, talvez os israelenses entendam qualquer tentativa de diálogo como um recuo, uma derrota e a situação do primeiro-ministro Ehud Olmert venha a ficar fragilizada, isso porque, ele não conta com um histórico militar favorável, como Sharon o tinha.
Há de se lamentar a destruição que esse conflito está gerando, principalmente porque o Líbano encontrava-se numa trajetória ascendente em busca de um sentimento nacional – como foi possível perceber nos protestos de 2005 que levaram a Síria a deixar o país – e esse processo teria repercussão direta no estabelecimento de um equilíbrio entre os grupos religiosos. Um processo que poderia fazer com que o Estado libanês criasse mecanismos para assumir suas obrigações perante todos os nacionais e, assim, limitasse a participação social do Hezbollah.
Com o retorno dos conflitos, os Acordos Paris I e Paris II, que injetaram capital no Líbano para que fossem feitas as Reformas Econômicas e sanasse os problemas libaneses, abaram se perdendo. Se havia a perspectiva de que, juntamente com a Reforma Econômica, viesse uma Reforma Política e dirimisse os problemas do país no tocante a corrupção, perpetuação no poder, etc, por ora parece impossível de serem restabelecidas.
O Líbano, que seguia rumo ao futuro, foi catapultado aos seus mais tristes momentos do passado. Momentos esses que tendem a se repetir constantemente na história libanesa, numa trajetória cíclica. Lamentavelmente, a única opção que o Líbano terá após a destruição de seu país cessar será retornar de volta para o futuro.

*Bacharel em Relações Internacionais (FASM/SP) e Mestrando em História (FFLCH/USP).
E-mail: renatho_costa@hotmail.com

[i] Em 2 de novembro de 1969, a assinatura do Acordo do Cairo promovido por Gamal Abdel Nasser, onde o governo libanês regulamentava relações oficiais com a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) para que ela promovesse um cessar-fogo com Israel, na verdade representou “in effect ceded Lebanese sovereignty in parts of south Lebanon to the PLO to carry on its war of liberation.” (McDOWALL, 1986: p. 14) e gerou mais problemas internos que Charles Helou, presidente do Líbano, poderia ter previsto.
[ii] Dentre as várias milícias que atuavam no Líbano durante o período da Guerra Civil (1975-90), a Falange alcançou bastante destaque devido ao seu poderio e apoio recebido pelos israelenses. Essa milícia era dirigida pela família Gemayel.
[iii] “Nenhum israelense foi diretamente responsável pelos eventos ocorridos nos campos [Sabra e Shatila]. Mas a Comissão afirmou que Israel teve responsabilidade indireta pelo massacre desde que a IDF [Israel Defense Force – Força de Defesa de Israel] ocupava a área, Sr. Begin [Menachen Begin, primeiro-ministro israelense à época] foi apontado responsável por não exercer grande envolvimento e ter consciência no assunto relativo à entrada dos falangistas nos campos. Sr. Sharon foi apontado responsável por ignorar o perigo do derramamento de sangue e vingança quando aprovou a entrada dos falangistas nos campos assim como por não ter tomado as medidas apropriadas para prevenir o derramamento de sangue.” (COMISSÃO KAHAN, 1983).
[iv] SLA (South Lebanon Army – Exército do Sul do Líbano).
[v] O Líbano ficou sob Mandato francês a partir de 1920, quando houve a Conferência de San Remo e ratificou-se o que já havia sido acordado entre as Potências da época – Inglaterra e França – no acordo secreto de Sykes-Picot (1916). Ainda, em 1923 a Liga das Nações referendou o sistema de mandatos e atribuiu à França o direito sob a Síria e o Líbano. Assim, o mundo árabe foi redividido e reestruturado sob à falência do Império Otomano, que saíra derrotado na Primeira Guerra Mundial.
[vi] O Acordo foi celebrado na cidade de Taif, Arábia Saudita, envolvendo várias camadas da sociedade libanesa –parlamentares, grupos e partidos políticos, milícias e lideranças locais –, e estabeleceu as diretrizes que iriam pautar a vida política libanesa, excluindo o sectariasmo e dirimindo as diferenças entre cristãos e muçulmanos. Também, como parte do acordo, as milícias se comprometiam a depor as armas dentro de um período de tempo previamente estabelecido, assim como Israel e Síria deveriam deixar o país para o restabelecimento da soberania territorial libanesa. Esse último item acabou ficando prejudicado, haja vista que Israel, somente, deixou o sul do Líbano em 2000 e a Síria em 2005. Nem todas as milícias depuseram as armas.
[vii] É certo que esse projeto não é bem visto pela população libanesa de maneira uniforme – principalmente pelos cristãos – e, devido ao pragmatismo do Hezbollah, o discurso vem sendo moldado para que essa proposta seja um modelo ideal a ser alcançado, contudo, não estabelecido no atual momento. Por isso o Hezbollah participa do processo eleitoral e aceita a secularização do estado – pelo menos temporariamente.

Sunday, July 30, 2006




Ataque de Israel é estratégia dos EUA, diz especialista em Relações Internacionais

Jundiaí, sexta, 21.7.2006

Elton Fernandes

O internacionalista Renatho Costa estuda atuação do Hizbollah há cinco anos e, de acordo com sua análise, os ataques israelenses aos xiitas no Líbano podem ser interpretados como estratégia norte-americana para enfraquecer o Hizbollah e incentivar a entrada da Síria e do Irã no conflito. A constatação é do especialista em relações internacionais, Renatho Costa, que há cinco anos estuda a participação do Hizbollah no processo democrático do Líbano e atualmente defende tese de mestrado em história na USP (Universidade de São Paulo) sobre o tema. “Foi inesperada a represália de forma tão violenta de Israel ao Hizbollah que praticamente destruiu o país em uma semana”, disse ele.Para ele, pela pressão dos EUA Israel teria iniciado os ataques para pressionar o governo libanês a intervir na atuação do Hizbollah. “Não dá para cobrar uma ação dessas porque o exército libanês não tem condições de enfrentar o Hizbollah”, contou Costa. O interesse dos Estados Unidos no conflito, segundo Costa, poderia ser explicado pelo fato do Hizbollah ser financiado pelo Irã, que mantém testes nucleares e pela Síria, que é governada por um crítico voraz dos EUA.

http://www.bomdiajundiai.com.br/ 20/7/2006

Tuesday, July 25, 2006

PRESENÇA SÍRIA NO LÍBANO: POR QUE DUROU TANTO?











Artigo publicado em INTER RELAÇÕES – FASM/SP. Ano 5, nº 18. Junho/2005. ISSN: 1808-2831


Em 1976, um ano após ter iniciado a Guerra Civil no Líbano, a Síria, alegando que sua interferência no conflito seria de vital importância para interromper a barbárie que havia se instalado no país vizinho, enviou suas tropas para o Estado libanês e lá permaneceu até o final de abril desse ano. Isso, apesar de a guerra civil ter findado em 1990, com a assinatura do Acordo de Taif[1].
Duas perguntas se sobrepõem às muitas que poderiam ser feitas acerca desse fato, quais sejam, por que a Síria permaneceu por tantos anos com suas tropas no Líbano se a guerra civil terminou há quinze anos e, por que a comunidade internacional permitiu que tal situação se prolongasse dessa maneira?
Utilizando a argumentação do governo sírio, a justificativa seria de que, apesar do fim da guerra civil, havia a necessidade de permanência em território libanês para a preservação da paz e da governabilidade do Estado, haja vista que a tensão confessional ainda existia. Não há qualquer originalidade na retórica síria e, abstraindo as especificidades do caso, torna-se semelhante às razões apresentadas pelos Estados Unidos para permanecerem com seu efetivo militar no Afeganistão e Iraque.
À segunda questão proposta, é necessário que façamos um breve reavivamento do panorama histórico em que ocorreu a intervenção síria para iniciarmos a análise. Primeiramente, não se pode abstrair o fato de que em 1976 o mundo vivia sob a forte influência da Guerra Fria e da ameaça de um conflito nuclear, caso houvesse enfrentamento entre as duas potências, Estados Unidos e União Soviética. Segundo, é fundamental lembrarmos de que a Síria mantinha estreitas relações com a União Soviética e, havendo qualquer agressão àquele país, poderia deflagrar o embate entre as potências – ainda mais se considerarmos que os soviéticos já tinham recuado durante a Crise dos Mísseis de 1962 e não parecia provável que o fariam novamente. Terceiro, era travada uma luta pela liderança no mundo árabe entre Síria, Egito e Líbia – que veio a evidenciar-se com a morte de Nasser[2] e posterior atrito entre Síria e Egito no tocante às questões relacionadas ao Estado de Israel. E, por fim, a questão da identidade sírio-libanesa, algo não resolvido e que fazia com que parte da comunidade muçulmana do Líbano buscasse a unificação entre os dois países enquanto a parte cristã tendia a buscar o estreitamento de seus vínculos com o Ocidente.
A partir dessas dificuldades latentes, vários atores estranhos ao conflito libanês vislumbraram a possibilidade de ‘discutir’, ali, suas questões e expor – indiretamente, financiando milícias locais – seus posicionamentos. De um conflito que, em tese, havia sido gerado devido à política sectarista que o governo cristão maronita implementava e dos questionamentos feitos pelos muçulmanos com relação às bases do regime confessional[3] que vigorava, acabou transformando-se numa guerra generalizada onde ‘discutia-se’: comunismo versus capitalismo, ‘Questão Palestina’, liderança no mundo árabe, efetividade das ações da ONU, cristandade versus islã, dentre outras questões.
O fato é que durante os quinze anos em que transcorreu a guerra civil libanesa a comunidade internacional presenciou atos da mais pura barbárie e não conseguiu interromper massacres e mais massacres nas diversas localidades do Líbano. Situação que o jornalista espanhol Domingo Del Pino, que fizera a cobertura da guerra, lembrou como sendo o retorno ao estado de natureza hobbesiano, que o historiador libanês Kamal Salibi atribuiu tal fato à estrutura político-social libanesa, baseada em ‘feudos’, onde o clã tinha mais importância que uma identidade nacional.
O que cabe ser analisado, conforme proposta, é a razão pela qual a Síria conseguiu permanecer tantos anos violando a soberania libanesa e nunca foi implementada nenhuma ação direta contra ela. Se aventássemos uma possibilidade de resposta através da teoria Institucionalista, provavelmente chegaríamos à conclusão de que, por mais que as instituições tenham implementado mudanças no sistema internacional[4], ainda não conseguiram sobrepor-se ao Estado e acabam exercendo, apenas, ‘influência’, mas sem resultados efetivos, prevalecendo, assim, a ordem anárquica do sistema internacional a qualquer outra tentativa de governo supranacional.
Dessa forma, por mais contestada que seja, por mais limitações que os neoliberais imponham à política neo-realista, talvez seja a mais efetiva para buscarmos respostas para a tão longa permanência síria no Líbano. Analisemos essa propositura a partir de três momentos: Primeiro; até o final da Guerra Fria os Estados Unidos preferiram intervir indiretamente no conflito e sempre respaldados pelas Resoluções da ONU, objetivando, assim, legitimar sua ação e não entrar em atrito direto com a União Soviética. Segundo; em 1982 os Estados Unidos sofreram atentados de ‘homens-bomba’ contra suas forças presentes no Líbano, o que fez com que ficassem expostos a uma nova modalidade de guerra, para a qual ainda não estavam preparados, fato que gerou ressalva por parte do governo ao se cogitar intervenções futuras contra os países muçulmanos; mesmo diante de toda a supremacia norte-americana conquistada no pós-guerra fria. E terceiro; quando não mais havia o risco de um confronto entre potências, o perigo de ataques terroristas deixou de ser um elemento inibidor e os ganhos relativos para uma intervenção militar ultrapassaram os absolutos – como exemplos podemos apontar as intervenções no Afeganistão e Iraque –, compôs-se o cenário adequado para que fosse feita a pressão sobre a Síria.
Os Estados Unidos, fundamentando uma futura ação contra a Síria no fato dela estar violando a soberania libanesa, nada mais fizeram que continuar aplicando as diretrizes de sua política externa para ampliar a zona de influência no Oriente Médio, evitando, assim, que surjam atores potenciais que coloquem em risco seus interesses geopolíticos.
A política externa realista norte-americana foi implementada para preservar os ideais neoliberal e democrático dos Estados Unidos, mas isso não garante que as tensões internas, no Líbano, tenham chegado ao fim. Até o momento, somente os problemas que foram inseridos no contexto da guerra civil tiveram algum encaminhamento; a disputa entre cristãos e muçulmanos, pelo poder no país, ainda continua sem uma solução definitiva e conciliadora. Além do fato de que a Síria, apesar de ter retirado suas tropas do território libanês, deixou muitos partidários seus para concorrer à eleição. Assim, somente o resultado desse pleito eleitoral poderá apontar para o caminho que o Líbano seguirá nos próximos anos, e se realmente a Síria está fora!

Bibliografia:
DEL PINO, Domingo. A Tragédia do Líbano: retrato de uma guerra civil. São Paulo: Editora Clube do Livro, 1989.
HÄRDIG, C. A. Brothers in Arms - An Analysis of the Syrian Military and Political Domination of Lebanon. Tese de Mestrado em Ciências Políticas. University of Linköping: Suécia, 2002.
SALIBI, Kamal. A House of Many Mansions - The History of Lebanon. California: University of California Press, 1988.


Renatho Costa
Bacharel em Relações Internacionais (FASM/SP) e mestrando em História (FFLCH/USP).

[1] O Acordo foi celebrado na cidade de Taif, Arábia Saudita, envolvendo várias camadas da sociedade libanesa –parlamentares, grupos e partidos políticos, milícias e lideranças locais –, e estabeleceu as diretrizes que iriam pautar a vida política libanesa, excluindo o sectariasmo e dirimindo as diferenças entre cristãos e muçulmanos. Também, como parte do acordo, as milícias se comprometiam a depor as armas dentro de um período de tempo previamente estabelecido, assim como Israel e Síria deveriam deixar o país para o restabelecimento da soberania territorial libanesa. Esse último item acabou ficando prejudicado, haja vista que Israel, somente, deixou o sul do Líbano em 2000 e a Síria em 2005. Nem todas as milícias depuseram as armas.
[2] O General Gamal Abdel Nasser foi o presidente do Egito dentre os anos de 1952 e 1966, propulsor do pan-arabismo, conseguiu alcançar o auge de seu projeto em 1958, ocasião em que foi concretizada a união entre Egito e Síria, dando origem à RAU (República Árabe Unida), contudo, o projeto não foi adiante e o nacionalismo acabou suplantando o pan-arabismo no campo político.
[3] A partir de 1943, quando o Líbano alcançou sua independência, segundo acordo firmado entre as lideranças dos principais grupos religiosos do país (basicamente, naquela época, cristãos maronitas e muçulmanos sunitas), a divisão do poder político se daria da seguinte maneira: o Presidente seria um maronita e o Primeiro-ministro um sunita. As cadeiras do Parlamento seriam divididas na proporção de 6 para 5 em favor dos cristãos, devido serem maioria no país, conforme dados do Censo de 1932. Em 1947, graças a sua maior influência política, os muçulmanos xiitas asseguraram para si o cargo de Chefe do Parlamento.
[4] A ONU baixou várias Resoluções acerca dos conflitos que ocorreram no Líbano, inclusive com relação às invasões israelenses (1978/82/96), mas nunca conseguiu solucioná-los completamente pois esbarrava nos interesses das potências que compunham o Conselho de Segurança.

Friday, July 14, 2006

AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS IMPLICAÇÕES COM O ISLAMISMO





Artigo publicado em "O Debatedouro", Edição 73, Abril/2006
ISSN 1678 6637 - ANO V - www.odebatedouro.com.br

Renatho Costa *

Escolhas de políticas públicas, muitas vezes, não obedecem a critérios estritamente objetivos, os policymakers, geralmente, trabalham com outras variáveis que nem sempre transparecem em suas opções. A resultante que emana dessas escolhas pode acarretar o desenvolvimento do Estado ou sua estagnação. É evidente que esse desenvolvimento não está, necessariamente, ligado à melhora da qualidade de vida de sua população de maneira uniforme. Ainda mais se suscitarmos o caso do Líbano.

Analisar o modelo libanês, especificamente, torna-se de grande valia, pois proporciona as condições ideais para observar as opções que foram assumidas e como elas repercutiram internamente – e também no âmbito regional. O que parece ser óbvio, como partir do pressuposto de que “o modelo mais simples das relações existentes entre a opinião pública e a formação de políticas públicas é o que concebe o governo simplesmente como uma máquina de formação de políticas – processando diretamente os sentimentos populares em decisões de política pública e estratégia de implementação –”,[i] no Líbano ocorre sem essa coerência. Questionando-se, inclusive, o critério do que viriam a ser “sentimentos populares”, tamanha a heterogeneidade da população e seus conflitos.

Esse ponto deve ser exposto porque a questão da “vontade popular” não é um elemento muito simples de ser entendido quando empregado à realidade libanesa. O país, desde o início do século XX, ainda quando se encontra sob o mandato francês (1920[ii]-1943), já procurava maneiras para alcançar a independência. Contudo, não possuía uma população homogênea que idealizasse um “mesmo futuro” para a nação.[iii] Grande parte da disputa interna advinha do fato de a população ser composta por muçulmanos e cristãos.

Antes de retomar à questão relacionada às opções de políticas públicas, seria interessante fazer uma breve retrospectiva dos fatos e das circunstâncias em que ocorreu a independência do Líbano (1943) e, com isso, perceber que, a partir daquele momento, já começou a se delinear como essas opções repercutiriam no futuro. Vislumbrar, também, as dificuldades que seriam postas para o estabelecimento de um suposto equilíbrio entre os grupos religiosos, etc.

O Estado que hoje conhecemos por Líbano é uma criação recente, data do início do século XX. Antes havia uma região integrada à Síria – conhecida por Grande Síria –, que, por sua vez, fazia parte do Império Otomano. Com a ascendência das potências européias – principalmente França e Inglaterra –, e declínio do Império Otomano, cada vez mais a população cristã maronita, que vivia no Líbano, conseguiu fortalecer seu status quo privilegiado na região. Graças aos laços culturais e comerciais que foram estabelecidos com os europeus.

Quando foi criado o sistema de mandato para o Oriente Médio e as potências européias dividiram a região como suas possessões, o Líbano acabou assumindo sua dimensão territorial dos dias de hoje e ficou sob a tutela da França. Assim, logo se abriu a possibilidade para que seus aliados, maronitas, alcançassem posições privilegiadas na estrutura governamental. Não era interessante para o governo francês possibilitar que os muçulmanos tivessem poder de decisão para que não almejassem qualquer tipo de reintegração às demais províncias árabes onde o sistema de mandato imperava.

Gradualmente foi se criando um sistema fortemente sectarista que excluía a população muçulmana das grandes decisões. Para que essa estrutura fosse mantida e obtivesse uma certa legitimidade, em 1932 foi feito um censo e constatado que havia uma ligeira maioria de cristãos no país – na proporção de 52% para 48%.[iv] Com isso, estabeleceu-se que a presidência do país ficaria para os maronitas, o cargo de primeiro-ministro seria exercido por um muçulmano sunita e, posteriormente, a chefia da Câmara passaria a ser exercida pelos xiitas. As cadeiras no Parlamento também foram divididas na proporção de 6 para 5 em prol dos cristãos.

Essa mesma ordem passou a ser utilizada para a ocupação dos cargos públicos, com certos privilégios para os representantes maronitas e sunitas – individualmente, os maiores grupos religiosos libaneses. A aliança temporária entre esses dois maiores grupos – maronitas e sunitas – levou ao firmamento do Pacto Nacional, um compromisso (não é um documento formal e assinado entre as partes, trata-se, apenas, de um compromisso verbal) que referendou a divisão do poder e abriu caminho para os movimentos que levariam à independência.

Contudo, há de ressaltar-se o fato de que, desde aquele momento, partes fundamentais da população libanesa passaram a ser excluídas. Por questões estratégicas, ou mesmo por rivalidades históricas. Como exemplo, pode-se citar o caso dos drusos.[v] Eles viviam na região do Shouf (localidade montanhosa próximo à Beirute) e tiveram grande importância na época do Império Otomano. Devido a isso, e ao passado impregnado de disputas e enfrentamentos, acabaram sendo excluídos das instâncias de poder pelos maronitas, fazendo com que o grupo partisse para a oposição ao governo instituído. Essa oposição se tornaria mais evidente nos anos posteriores à independência, quando Kamal Jumblatt, líder de um dos clãs drusos, tornar-se-ia uma figura emblemática no país.

Esse primeiro acordo entre os grupos étnico-religiosos levou à independência, mas não resolveu uma questão fundamental para estabelecer as linhas de políticas públicas que o Estado passaria a seguir. Havendo uma luta pelo poder entre cristãos e muçulmanos, os primeiros, para que pudessem preservar seu status, optaram por implementar uma política completamente sectarista. Os principais postos de governo passaram a ser ocupados por maronitas e alguns outros grupos de cristãos; para os muçulmanos restaram alguns cargos na hierarquia secundária e sem grandes possibilidades de decisão ou modificação da estrutura sedimentada.

De fato, outros fatores contribuíram para que houvesse esse acirramento da política maronita. Primeiramente, não é possível deixar de mencionar que o surgimento do Estado de Israel (1948) trouxe tensão para o Oriente Médio e intensificou o atrito entre árabes e israelenses. Com isso, considerando que os maronitas mantinham laços históricos com os judeus que viviam na Palestina, a tensão no Líbano assumiu níveis difíceis de conter. Alguns autores relacionam a união entre israelenses e maronitas à tentativa de preservação desses grupos religiosos minoritários dentro de um universo quase que completamente muçulmano – que representa a realidade do Oriente Médio.

Nesse contexto, dois aspectos são fundamentais e devem ser ressaltados: primeiramente, o fato de o Líbano, em seu Pacto Nacional, ter optado por considerar-se uma nação árabe, contudo, não rompendo os laços com o Ocidente; e, em segundo lugar, a existência da ambigüidade na questão da identidade, inviabilizando um posicionamento claro durante os vários conflitos entre árabes e israelenses. Muitas vezes tornava-se perceptível a cisão do governo libanês. A presidência maronita optando pela neutralidade ou mesmo apoiando os israelenses, e, concomitantemente, o primeiro-ministro e parcelas da comunidade muçulmana posicionando-se ao lado dos palestinos.

Suscitando a discussão proposta por Howlett, cada vez mais se pode constatar que a opinião pública não surtia muito efeito nas opções de políticas públicas estabelecidas pelos governos. Por mais que houvesse a necessidade de estruturação do Estado e implementação de uma política que desenvolvesse o Estado de maneira mais igualitária, o que pesava ao estabelecer as diretrizes políticas a serem implementadas eram questões de outra ordem: a religião, o que o governante obteria em troca e se a região a ser beneficiada poderia reverter-se em algum benefício político para o governante. Dessa maneira, o que se criava no Líbano eram bolsões de pobreza que não recebiam qualquer apoio governamental. Principalmente nas regiões do sul do país e ao leste, na localidade conhecida como Vale do Bekaa. Nessas duas regiões havia a predominância de muçulmanos xiitas.

O Líbano chegou ao ano de 1958 diante de um conflito latente e na iminência de que estouraria a guerra civil. O nível de sectarismos era tão alto que em muitas localidades do Estado, num ato de reação ao governo estabelecido, a autoridade do presidente não era reconhecida. A população libanesa, que tem dentre suas características os fortes laços com a família, repeliu uma identidade nacional e, cada grupo distinto retornou ao “feudo” de origem.[vi] Os “senhores feudais” que controlavam as regiões do país passaram a fortalecer suas milícias e deixaram o Estado à parte. A tensão, de fato, gerou um início de rebelião em algumas localidades no Líbano, provocando o que viria a ser conhecido como a Primeira Guerra Civil libanesa. Entretanto, a interferência dos Estados Unidos – solicitada pelo presidente maronita Camille Chamoun – fez com que não houvesse uma cisão no Estado e fosse restabelecida a ordem, pelo menos temporariamente.

Um dos grandes problemas do Líbano era não ter conseguido resolver a questão relacionada à identidade e, com a utilização de um sistema político-eleitoral diferenciado, somente reforçou o afastamento entre as populações cristã e muçulmana. Os muçulmanos, gradativamente haviam se tornado a maior população do Líbano, contudo, continuavam sub-representados. Por mais que propusessem – os muçulmanos – modificações para o sistema político, caso ferissem algum interesse cristão, não conseguiam aprovação.

Apesar de Berry e Berry desenvolverem a tese de que Estados utilizam a experiência de outros na elaboração de suas políticas públicas, considerando o fato de haver interação entre eles e mesmo devido à divulgação de resultados,[vii] no caso do Líbano não havia essa possibilidade, porque a elaboração de qualquer política pública estava ligada, diretamente, à questão da segurança. Os Estados vizinhos, ao mesmo tempo em que poderiam representar serem aliados para uma parte da população libanesa, para a outra eram tidos como inimigos, impossibilitando, assim, qualquer utilização de políticas públicas “neutras” e que visassem ao benefício da população de maneira unívoca.

O que pôde ser evitado em 1958 não conseguiu ser repetido em 1975 e, nessa data, teve início a Segunda Guerra Civil. O Estado viu-se completamente fragmentado e, apesar de haver um governo central, não exercia seu poder sobre todo o território. As lideranças regionais fortaleceram-se e assumiram a autoridade sobre parcelas do território. As milícias tomaram o país e não havia um exército estabelecido que pudesse manter a ordem. O Estado cindiu-se e a guerra fratricida começou. Segundo Thomas Friedman, jornalista que fez a cobertura da Guerra Civil para o The New York Times, o Estado libanês viu-se diante de uma situação ímpar, a noção de civilidade foi abandonada e o Líbano retornou a um estado de natureza hobbesiano.[viii]

Em 1976, a Síria, numa tentativa de impedir que os palestinos da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) alcançassem o poder no Líbano e essa situação provocasse uma invasão israelense ao país, enviou um grande contingente militar para o Líbano, sob a alegação de que pretendia impedir o alastramento da guerra civil. Não conseguiu acabar com o conflito, mas exterminou os planos de ascensão da OLP e, diante da situação privilegiada de estar dentro do Líbano, optou por permanecer no país, exercendo forte influência sobre o governo maronita.

A partir de 1982, uma nova realidade aportou no Líbano. Sua capital, Beirute, que já se encontrava gravemente danificada com a guerra entre milícias estabelecida na cidade, recebeu mais um ingrediente: o Estado de Israel. No intuito de expulsar a OLP do país,[ix] os israelenses marcharam até Beirute. Após várias negociações diplomáticas que envolveram os EUA e a ONU, a OLP deixou o Líbano rumo à Tunísia. Assim, Israel conseguiu alcançar seu objetivo. Porém, posteriormente, alegando que pretendia preservar a segurança do norte de seu território, estabeleceu-se no sul do Líbano, criando uma região militarizada entre os dois países, conhecida por “Zona de Segurança”.

A partir desses acontecimentos, o Líbano passou a viver um momento de absoluto desgoverno. As figuras do presidente, primeiro-ministro e parlamentares continuaram existindo, mas suas ações eram programadas para a obtenção de vantagens na guerra. Os poucos recursos que o governo conseguia eram destinados aos seus aliados na capital e nas regiões que lhes eram fiéis. Com o apoio do governo sírio, o presidente maronita conseguia manter-se no poder, entretanto, o preço a ser pago era a necessidade de referendar qualquer decisão à vontade de Hafez al-Assad, governante da Síria. Além dessa interferência indireta Síria, Assad ainda contava com partidários seus em postos privilegiados do governo libanês.

Apesar de toda a intranqüilidade que imperava no cenário libanês, ainda houve espaço para o surgimento de um novo evento: na década de 1980, os muçulmanos xiitas passaram a questionar com veemência o fato de os cristãos já não representarem a maioria da população libanesa, mas ainda preservarem para si o poder político e privilégios. Para que essa estrutura não fosse alterada, os maronitas evitavam que qualquer censo fosse feito e que viesse servir de base para a alteração do que fora estabelecido no Pacto Nacional. Negavam ser minoria no Estado e sustentavam essa alegação afirmando que a presença palestina não deveria entrar no cômputo geral da população, que se tratava de estrangeiros, de refugiados. Ao mesmo tempo, também usavam um segundo argumento para defender-se, caso fossem a minoria: se realmente não mais contassem com a maioria da população, diferentemente dos muçulmanos, contribuíam com quase 80% da arrecadação do Estado e, por isso, deveriam ter privilégios políticos. O movimento de contestação e deslegitimação do governo maronita estava fortemente embasado no fato de que as políticas governamentais não eram estabelecidas para alcançar a população do Estado, mas, sim, restringiam-se ao seu grupo religioso.

A cidade de Beirute representava bem esses questionamentos xiitas. Apesar de não apresentar mais reminiscências da “Paris do Oriente Médio”, ainda era prova clara da desproporcionalidade com que os xiitas e palestinos eram tratados. O subúrbio da cidade, também conhecido como “cinturão de miséria”, representava o contra-senso da Beirute Oriental (bairro predominantemente cristão), que tentava manter-se “viva” mesmo perante a guerra em curso, com a manutenção mínima de suas estruturas. A população rica da cidade abominava a pobreza trazida pelos migrantes xiitas do sul. Contudo, não reconhecia que grande parte desse inchamento da capital se dava devido à ausência de uma política adequada que pudesse mantê-los em sua região natal. Assim, o que acabou ocorrendo foi a migração de uma enorme quantidade de xiitas para Beirute, em face da situação de beligerância em suas terras.

As políticas sociais propostas pelos maronitas nunca alcançaram a população xiita, deixando-a numa situação de miséria absoluta. Essa condição agravou-se ainda mais com a entrada dos refugiados palestinos no território libanês.[x] A região sul do Líbano, predominantemente xiita, passou a ser a mais atingida com os conflitos militares entre israelenses e palestinos. Devido ao “esquecimento” por parte do governo e a situação adversa que vivia em suas terras, é possível dizer que, temporariamente, pode ter havido o enfraquecimento da comunidade xiita. Entretanto, com o surgimento de lideranças que passaram a pregar a necessidade de lutar contra as arbitrariedades, seguindo o exemplo do Imã Hussein,[xi] houve uma mudança radical no pensamento da comunidade xiita, o que acabou viabilizando o surgimento de organizações islâmicas que, por sua vez, passaram a assumir as funções do Estado. Primeiramente, tivemos o Amal e, posteriormente, o Hezbollah. Com o capital proveniente, em grande parte, do Irã, que havia instituído a República Islâmica e tentava difundi-la, o Hezbollah passou a agir nos segmentos sociais onde o Estado libanês se ausentara.

Nas regiões de grande pobreza, como no sul do país e em Bekaa, o Hezbollah criou hospitais, clínicas odontológicas, escolas, faculdades, mesquitas e passou a agir com características de Estado. Entretanto, dentro desse pacote de benefícios, houve o acirramento das leis comportamentais e a penalização para os infratores. Em consonância com a filosofia islamista, houve o banimento de bebidas, jogos de azar, hábitos ocidentais e também a “moralização” nas vestimentas. Instituiu-se, onde o Hezbollah governava, a lei da sharia.[xii]

Devido à incapacidade, ou falta de interesse, de o Estado libanês proporcionar a melhora na qualidade de vida da população xiita, o Hezbollah cresceu e estabeleceu um novo Estado dentro do Estado. Ainda porque contava com o apoio do Irã e da Síria. As leis que eram aplicadas nas regiões dominadas pelo Hezbollah não eram, necessariamente, as mesmas do restante do país. Durante toda a década de 1980, houve o acirramento da guerra civil. Também se deu o amadurecimento do pensamento islamista e sua difusão.

Com o final da Guerra Civil, em 1990, houve a necessidade de repensar o Estado e estabelecer suas novas diretrizes. Primeiramente, foi assinado o Acordo de Taif,[xiii] em que as milícias se comprometiam a depor as armas, assim como Israel e Síria também comprometiam-se a retirar suas tropas do Líbano.

Influenciado pela Síria e, diante das novas perspectivas institucionais que o regime libanês apontava, o Hezbollah acabou por transformar-se num partido político; porém, recusou-se a depor as armas enquanto os israelenses não deixassem o país. O novo status do Hezbollah, de partido político, logo mostrou que o Líbano seguiria um caminho diferenciado com relação aos demais países do Oriente Médio. Numa região onde a democracia não é, exatamente, um “ingrediente” assíduo, iniciou-se o processo de transição.

O Acordo de Taif também possibilitou a modificação da forma de representatividade dos grupos religiosos. Do antigo 6 para 5, passou a ser 5 para 5, ou seja, muçulmanos e cristãos seriam representados igualitariamente no parlamento. Entretanto, os maronitas não abriram mão da presidência do Estado, o que acabou sendo arranjado com a transferência de parte de seu poder para o Gabinete.[xiv]

Na primeira eleição de que o Hezbollah participou, em 1992, conseguiu eleger mais parlamentares que seu concorrente direto, o Amal. Talvez, a partir desse resultado, poder-se-ia deduzir que o Líbano entraria num processo de radicalização e que caminharia rumo à islamização do Estado. Porém, devido ao modelo político-eleitoral adotado, essa premissa não deveria ser considerada, devido à existência de limitações para a expansão do número de representantes xiitas no Parlamento – assim como dos demais grupos religiosos.[xv]

Contrariando o que poderia significar o fim da guerra civil, no tocante à implementação das políticas públicas, o que ocorreu foi a reedição do que os libaneses chamam de shihabismo,[xvi] ou seja, a divisão do poder com os demais líderes regionais. Assim, a população, de maneira geral, não passou a ter grandes benefícios com o novo modelo em vigor. Quaisquer políticas implementadas seguiam a lógica do interesses dos “senhores feudais” e, muitas vezes, davam-se a partir de trocas de favores.

A comunidade xiita, percebendo que não conseguiria obter os mesmos direitos e vantagens que os cristãos, cada vez mais se inclinou ao sistema montado pelo Hezbollah. Nas localidades onde o Estado não chegava, a organização xiita cumpria o dever do Estado e proporcionava a melhora da qualidade de vida da população. Agregando a esse fato a intensa luta que o Hezbollah travava com o Estado de Israel pela soberania do sul do país, sua imagem muitas vezes encontrava contornos multiformes e a simpatia de parcelas da sociedade, e até mesmo de outros atores internacionais. Como resultado dessa luta, a retomada do sul do país deu-se em 2000, quando, definitivamente, os israelenses deixaram o Líbano. Assim, iniciou-se um novo processo de mudanças no Líbano.

Reintegrando o sul do país, haveria a necessidade de o Estado reassumir suas funções, contudo, o Hezbollah percebeu que se assim ocorresse, muito do seu trabalho para galgar o poder político poderia se perder. Quando o governo iniciou um programa de assistencialismo junto à população xiita do sul do país, os representantes do Hezbollah pregaram a não-aceitação de qualquer indenização, ou mesmo auxílio do governo – havendo a compensação por parte do Hezbollah. Dessa forma, conseguiram preservar seu eleitorado e fortalecer suas diretrizes religiosas.

Nesse caso da retomada do sul, o Hezbollah não encontrou apenas no governo central um adversário, também teve que lutar contra o Amal, outro partido político xiita. Todavia, caracteristicamente secular. Liderado por Nabih Berri, contava com a simpatia do governo maronita e obteve vantagens na ocasião da implementação de políticas assistencialistas no sul do país.

A partir do ano 2000, apesar dos desentendimentos com relação às políticas a serem implementadas no sul do país, o Hezbollah passou a contar com o apoio de outros segmentos da sociedade libanesa que não somente a xiita. Vislumbrando uma nova organização da sociedade, passaram a surgir pensamentos comuns e que não estavam ligados somente à questão religiosa. Não é possível dizer que a ascendência religiosa tenha sido completamente esquecida, mas os grupos religiosos passaram a reunir-se com o intuito de alterar a estrutura do Estado – demasiadamente corrompida pelo sectarismo.

O Líbano, a partir do momento em que se viu liberto da ação israelense, tentou organizar-se da maneira que os pluralistas entendem ser a forma ideal, ou seja, através da fragmentação do poder e não da hierarquização. O que ocorre é que essa forma de organização já vinha sendo instalada na sociedade libanesa há muito tempo e acabou cristalizando-se no período da segunda Guerra Civil. Conforme o Estado ia fragmentando-se e os “senhores feudais” libaneses fortaleciam suas regiões, o governo central viu-se obrigado a dividir o poder com eles para que sua legitimidade não fosse completamente contestada.

Reflexos dessa ação foram percebidos na equiparação dos direitos políticos entre muçulmanos e cristãos, ocasião em que o modelo eleitoral sofreu transformações e os muçulmanos passaram a ter o direito de eleger a mesma quantidade de parlamentares que os cristãos. Não extinguia, aí, as reivindicações dos muçulmanos, haja vista naquele momento já serem maioria no país - e a proporcionalidade ser-lhes-ia mais interessante, caso fossem aplicada as regras que estabeleceram o Pacto Nacional.

Um fator ainda impedia o desenvolvimento das instituições libanesas de forma independente, qual seja, a presença militar da Síria no país. Como o governo sírio exercia forte influência sobre o Líbano, inclusive na eleição de seus governantes, era difícil implementar qualquer modificação que viesse a ferir os interesses sírios no país. Devido à estrutura montada pelo governo sírio, Assad conseguia exercer o domínio sobre os maronitas, o Hezbollah e segmentos sunitas.

Nesse contexto, houve o enriquecimento e fortalecimento das pessoas ligadas ao poder. Os parlamentares eram os próprios líderes das famílias que dominavam as regiões ou pessoas indicadas por eles. Os programas sociais atendiam, primeiramente, a interesses privados e depois ao público. Num Estado onde não havia a completa liberdade de expressão, graças à ação repressiva do governo sírio, a organização da sociedade sofria algumas limitações.

Com base nesse panorama, o Hezbollah, para fortalecer sua presença no Parlamento e dar prosseguimento ao seu programa de governo, continuou agindo nas localidades onde o Estado não alcançava, preservando, assim, a característica de “Estado dentro do Estado”.

A situação libanesa sofreu grande transformação quando um ex-aliado sírio e, então primeiro-ministro do Líbano, Rafiq Hariri, passou a contestar a legitimidade da presença síria em seu país. A guerra civil já havia se acabado, os israelenses já não mais se encontravam no país, então, qual seria a motivação para a permanência da Síria no Líbano? – questionava, enfaticamente, Hariri. Insatisfeito com a interferência de Assad, deixou o cargo de primeiro-ministro e passou a fomentar campanhas contra a Síria. Como resultado, sofreu uma atentando em 2005, no qual morreu.[xvii]

O fato é que, a partir da morte de Hariri, houve uma comoção nacional e vários movimentos populares foram às ruas pedindo a saída da Síria do Líbano. Ao mesmo tempo, aliados de Assad, como o Hezbollah, também programaram movimentos populares clamando pela permanência síria no país. A mudança substancial que ocorreu no status quo sírio no Líbano foi proveniente da tensão instalada no Oriente Médio – grande parte advinda da ação estadunidense no Iraque –, a qual apresentou a possibilidade de estender-se à Síria caso ela mantivesse a intervenção sobre o Líbano. Por ser considerado pelo governo neoconservador de George W. Bush um país patrocinador de ações e organizações terroristas, a Síria viu-se diante de um dilema: permanecer no Líbano e enfrentar os EUA – quase na certeza de derrota, mas tendo consigo o suposto apoio de segmentos islamistas mais radicais – ou sair e rearticular suas forças para preservar-se no poder. A situação de Assad era bastante delicada, porque poderia ser vista como de sujeição ao Ocidente, caso houvesse a aceitação irrestrita de qualquer imposição estadunidense. Contudo, permanecer no Líbano apresentava-se como sendo a opção de maior risco para os interesses de Assad naquele momento.

Diante da situação adversa, a Síria deixou, oficialmente, o Líbano no primeiro semestre de 2005. No entanto, não é possível dizer que tenha desmontado completamente sua estrutura de poder que interferia diretamente nas decisões políticas libanesas. No transcorrer do ano, outros atentados contra figuras eminentes que defendiam o fim da interferência síria no Líbano também ocorreram.

Com base nesse panorama apresentado, é possível fazer a seguinte análise: gradualmente, a sociedade libanesa vem dirimindo as diferenças entre os grupos religiosos em busca de uma identidade nacional. Contudo, ainda pairam dúvidas com relação às intenções do Hezbollah, até porque foi preservado seu programa islamista, que prevê a criação de uma república islâmica no Líbano, aos moldes do Irã. Outro ponto a ser destacado é que, apesar de a sociedade civil estar se mobilizando em prol da operacionalização de algumas causas, ainda não consegue influenciar as camadas políticas, uma vez que nessa esfera de poder quem domina são os “senhores feudais”.

A sociedade libanesa, por mais que tenha como característica predominante o forte sectarismo – que é fato indiscutível –, possui um segundo elemento em sua estrutura que a aproxima de muitos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, qual seja, o poder sempre esteve concentrado numa pequena elite econômica. Muitas vezes os interesses econômicos sobrepunham-se aos religiosos e, ainda mais, ao público.

O poder no Líbano é tido como uma herança e as mesmas famílias vão se revezando nele. Devido a essa característica que muitas políticas públicas não são implementadas, exatamente pelo fato de não serem interessantes. Assim, montam-se várias instâncias de poder onde é possível vetar, ou mesmo nem possibilitar a chegada de projetos que não interessem a esses grupos. Exemplo claro de enriquecimento junto ao poder é o de Rafiq Hariri, que era considerado uma das personalidades mais ricas do mundo. Grande parte de seus negócios foi viabilizado graças à proximidade com o poder. Contudo, ele feriu o segundo mandamento do jogo que era imposto pela Síria, o qual permitia a relação perniciosa entre o público e o privado, mas não aceitava críticas à legitimidade de sua permanência no Líbano.

O resultado da eleição de 2005 ainda não foi o suficiente para demonstrar grandes transformações no Líbano. Partidários do governo sírio conseguiram eleger-se; ainda não foram criadas propostas de políticas públicas que possam alcançar o Estado igualitariamente; e o Hezbollah continua agindo como um forte agente social que substitui os “deveres” do Estado.

A mesma política sectarista que levou e manteve um determinado segmento social no poder – os maronitas –, de certa forma, propiciou o nascimento do islamismo radical no Líbano. Mesmo diante da flexibilização que a plataforma política do Hezbollah vem sofrendo, para sua integração ao jogo democrático, ainda pairam muitas dúvidas acerca de quem poderá resistir mais: a ideologia islamista ou a democracia libanesa? Assim, diante desse “perigo iminente”, o Líbano vem recuperando as características que outrora possibilitaram-no ser conhecido como “a Suíça do Oriente Médio”, mas a calmaria é temporária e os libaneses sabem disso. Enquanto não for encontrada uma maneira para dirimir as diferenças sociais existentes no Líbano e o poder permanecer junto à elite econômica, a tensão continuará. Quaisquer propostas de políticas públicas têm de ser implementadas nesse momento de reestruturação do Estado, caso contrário, se os xiitas deixarem de acreditar na “nação libanesa”, qualquer outra mudança proposta no futuro será inútil.


NOTAS

[i] HOWLETT, Michael. “A Dialética da Opinião Pública: efeitos recíprocos da política púbica e da opinião pública em sociedades democráticas contemporâneas.” in Opinião Pública VI (2), Campinas, p.169, 2000.
[ii] Nessa data, 1920, a Conferência de San Remo, Itália, estabeleceu como seria a divisão do Oriente Médio entre as potências européias e, em 1923, a Liga das Nações ratificou a decisão.
[iii] Cabe fazer a ressalva de que até mesmo a utilização do termo nação para a população libanesa encontra algumas reservas. Muçulmanos e cristãos nem sempre partilharam desse sentimento de integração nacional e, tampouco conseguiram encontrar laços fortes o suficiente que pudessem irmaná-los num mesmo grupo, alcançando, assim, uma identidade maior que as suas próprias herdadas de seus grupos religiosos de origem. Entretanto, contrariando essa lógica de afastamento entre clãs, no transcorrer da história libanesa houve a união dos diversos grupos étnico-religiosos em prol de ideais momentaneamente comuns.
[iv] Dentre os cristãos, assim estavam distribuídos os subgrupos: Maronitas (29%), Gregos Católicos (6%), Gregos Ortodoxos (10%), Armênios (4%) e Outros (3%). Dentre os muçulmanos, assim encontrava-se a divisão: Sunitas (22%), Xiitas (19%) e Drusos (7%). (McDOWALL, David. “Lebanon: a conflict of minorities” in Minority Rights Group. Report 61. Londres, p.12, 1986).
[v] Darazi, discípulo do califa Fatímida — Al Hakim —, deixou o Egito e foi estabelecer-se a sudeste da região compreendida pelo atual Líbano, passando a pregar sua fé e entrando em choque com a população local. Seus seguidores tornaram-se conhecidos como drusos e, atualmente, junto com cristãos e muçulmanos, constituem uma das maiores comunidades no Líbano moderno. Apesar de terem suas bases fundamentadas no Islã, nos dias de hoje os drusos têm muita dificuldade de ser reconhecidos como tal, devido ao aspecto heterodoxo e místico que sua crença assumiu.
[vi] FRIEDMAN, Thomas. De Beirute a Jerusalém. São Paulo: Bertrand, 3ª edição, p.56, 1991.[vii] BERRY, Frances & BERRY, William. ”Innovation and Diffusion Models in Policy Research” in SABATIER, Paul. Theories of the Policy Process. California: Westview Press, p.175, 1999.
[viii] FRIEDMAN, Thomas. De Beirute a Jerusalém. São Paulo: Bertrand, 3ª edição, p.40, 1991.[ix] O norte do Estado de Israel, região fronteiriça com o Líbano, sofria com os constantes ataques da OLP proferidos contra seu território. O governo libanês havia autorizado a ação da OLP no sul de seu território, graças ao Acordo do Cairo de 1969, contudo, com em grande parte das decisões governamentais libanesas, essa também só agradou à comunidade muçulmana, gerando repulsa por parte dos maronitas, que eram contra a presença palestina no Líbano. A ação militar dos israelenses contra o Líbano, em 1982, passou a ser conhecida como “Operação Paz para a Galiléia”. Ela foi comandada por Ariel Sharon.

[x] Situação que foi intensificada a partir de 1970-1, quando os palestinos foram expulsos da Jordânia e a OLP estabeleceu seu núcleo de poder em Beirute e seus campos de treinamento no sul do Líbano.
[xi] No final do século VII, na cidade de Karbala, Iraque, Hussein e seus seguidores enfrentaram mais de quatro mil soldados. O confronto ocorreu por ordem de Yazid, o califa Omíada de Damasco, e o motivo principal se fundamentava no fato de o Imã Hussein não reconhecer a legitimidade do califado. Hussein havia deixado Meca, onde tinha sido ameaçado de morte por Yazid, e se dirigiu para Karbala; lá tentou resistir aos ataques, expondo os motivos pelos quais não reconhecia o califado de Yazid e alegando que tinha autoridade para fazer tais considerações, uma vez que descendia diretamente do profeta. Entretanto, os soldados omíadas, sob a liderança de Omar Ibn Saad, assassinaram Hussein, sua família e todos seus seguidores. O martírio de Hussein passou a ser idolatrado e celebrado na cerimônia conhecida como Ashura. A postura de morrer em nome do Islã tornou-se algo a ser dignificado pelos xiitas, o que acabou por ser incorporado na estratégia de organizações como um ato nobre, digno da grandeza do Imã Hussein.
[xii] “rumo para a fonte”; Código Legal islâmico que, para os muçulmanos, estabelece as regras que governam todos os aspectos da vida. (DEMANT, Peter. O Mundo Muçulmano. São Paulo: Editora Contexto, p.396, 2004)
[xiii] O Acordo foi celebrado na cidade de Taif, Arábia Saudita, envolvendo várias camadas da sociedade libanesa – parlamentares, grupos e partidos políticos, milícias e lideranças locais –, e estabeleceu as diretrizes que iriam pautar a vida política libanesa, excluindo o sectarismo e dirimindo as diferenças entre cristãos e muçulmanos.[xiv] HARIK, Judith Palmer. Hezbollah – The Changing Face of Terrorism. Londres: I. B. Tauris, p.44/5, 2004.
[xv] HAMZEH, Ahamad Nizar. In the Path of Hizbullah. Syracuse: Syracuse University Press, p.113, 2004.
[xvi] Relativo ao presidente Fuad Shihab, que governou o Líbano de 1958 a 1964 e fortaleceu as lideranças regionais durante seu governo, distribuindo o poder.[xvii] Segundo o relatório da ONU, há fortes indícios de que o governo sírio tenha organizado o atentado, contudo, houve a contestação das provas e dos testemunhos ali constantes. Ainda não há uma decisão definitiva que implique figuras eminentes do governo sírio na morte de Hariri.



* Mestrando em História (FFLCH/USP), Bacharel em Relações Internacionais (FASM/SP) e membro da ADI-FASM.

ARTIGOS EM LIVROS E PAPERS

Publicação de artigo no livro:
· Costa, Renatho. "Hezbollah: Organização Terrorista ou Anseio de uma Nação?" in Rodrigues, Thiago e Marcucci, Cynthia (orgs.). Notas Internacionais, volume 1. São Paulo: Editora Desatino, p. 121-55, 2004.




Paper sobre o Hezbollah para conclusão do curso de Relações Internacionais:
· Costa, Renatho. Hezbollah, Quando Deus Escolhe um Lado. 2003.




Para saber mais, entre em contato: renatho_costa@hotmail.com

Artigos em "O Debatedouro"





Conheça meus artigos:

· O Debatedouro n° 72
Costa, Renatho. "O Que Acontecerá à Casa Alauíta dos Assad?" in O Debatedouro, edição 72, Fevereiro/2006, pag. 34-46. Disposnível em www.odebatedouro.com.br.
Faça o download clicando aqui!

· O Debatedouro n° 73
Costa, Renatho. "Líbano, Ausência de Políticas Públicas e suas Implicações com o Islamismo" in O Debatedouro, edição 73, Abril/2006. Disponível em www.odebatedouro.com.br.
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