Thursday, December 11, 2008

HEZBOLLAH DOIS A ZERO: QUEM SAI GANHANDO COM O PLACAR?


Inter Relações - Ano 08 - nº 30 / Outubro 2008 - ISSN: 1808-2831

INICIA A PARTIDA...
Dia 25 de maio o Hezbollah conseguiu emplacar seu segundo gol na partida que quem vem disputando desde sua criação – que se deu no início da década de 1980. A eleição do presidente Michel Suleiman, por uma estranha coincidência, o segundo gol da partida, aconteceu na mesma dada em que o primeiro (2000) – quando houve a retirada das tropas israelenses do sul do Líbano[1].
É bem certo que a eleição de Suleiman não foi assumida, publicamente, pelo Hezbollah como uma vitória partidária. Inclusive, com o discurso conciliador de Suleiman, a proposta foi transmitir o sentimento de que o único vitorioso fora o Líbano. Num tom otimista, o presidente anunciou: "Deixe-nos unidos... [para] trabalharmos no caminho de uma reconciliação sólida (...) Nós pagamos caro pela nossa união. Deixe-nos preservá-la palmo a palmo." (BBC News, 25/05/2008)
Discurso à parte, o fundamental é analisar essa situação à luz dos ganhos obtidos com a mudança que a situação político-eleitoral trará a partir da assimilação da proposta que a Liga Árabe apresentou em maio último, em Doha. A revisão do modelo eleitoral libanês sempre foi um empecilho para o crescimento político do Hezbollah e, para que Suleiman fosse aceito como candidato de consenso e chegasse à presidência, o compromisso de revisão do modelo constou no acordo de Doha.
O grande problema no modelo atual é que, apesar das modificações que sofreu com o Acordo de Taif (1989)[2] – a representatividade passou a ser igualitária, no Parlamento, entre muçulmanos e cristãos –, ainda continuou gerando a sub-representatividade dos muçulmanos, principalmente aos xiitas que, na década de 1990, já formavam a maior comunidade religiosa, individualmente, do Líbano. Assim, ao deter o poder nas mãos de apenas um grupo político, a exclusão dos demais repercute diretamente na dificuldade de construção do sentimento nacional, Lijphart, acerca desse modelo, faz as seguintes considerações:
Nas sociedades mais profundamente divididas, como na Irlanda do Norte [o Líbano também possui tal característica] o governo majoritário implica não propriamente uma democracia, mas sim uma ditadura da maioria e enfrentamento civil. Essas sociedades precisam é de um regime democrático que estimule o consenso, em vez de oposição; que promova a inclusão, em vez da exclusão, e que tente ampliar a maioria governante, em vez de se satisfazer com uma pequena maioria: essa é a democracia de consenso. (2003, p.53)
O modelo consensual, que poderia se apresentar como uma saída viável para o Líbano, implicaria na abertura para a participação maior dos xiitas no governo e, conseqüentemente, perda substancial do poder que encontra-se nas mãos dos cristãos. Em tese, em prol da construção de um estado nacional, não haveria grandes problemas em implantar uma política inclusiva e mais representativa dos segmentos sociais, no entanto, abrir mão do poder, no caso dos cristãos libaneses, poderia significar a abertura do estado para a instauração de um regime teocrático, nos moldes do Irã.
Esse receio de que o Líbano se transforme numa república islâmica advém do conteúdo da Carta Aberta do Hezbollah (1985), que apresentava o programa de prioridades da organização – ainda não era um partido político – e deixava clara sua intenção de reafirmar a luta contra o Ocidente, além de os Maronitas (que exerciam o poder no Líbano e mantinha relações próximas com os israelenses).
No entanto, a Carta Aberta também deve ser analisada à luz do momento histórico que o Líbano vivia, ou seja, com a Guerra Civil em curso e o Hezbollah tendo conseguido obter ganhos substancias para sua causa com o atentado contra os marines (1983) – que fez com que o governo Reagan retirasse suas tropas do Líbano.
Deixe-nos colocá-los [os objetivos do Hezbollah] verdadeiramente: os filhos do Hezbollah sabem quem são seus inimigos principais no Médio Oriente - os Falangistas [milícia do clã maronita Gemayel], Israel, França e os Estados Unidos. Os filhos de nossa ummah [comunidade muçulmana] estão agora em um estado crescente de confrontação com eles, e permanecerão assim até a realização dos seguintes três objetivos: (a) expelir os americanos, os franceses e seus aliados, definitivamente, do Líbano, colocando fim em todas as entidades colonialistas em nossa terra; (b) submeter os Falangistas a um poder justo e levá-los, todos, à justiça pelos crimes que perpetraram contra os muçulmanos e os cristãos; (c) permitir [que] todos os filhos de nosso povo determinem seu futuro e escolham, com toda a liberdade, a forma de governo que desejam. Nós convidamos todos para escolher a opção do governo islâmico que, sozinho, é capaz de garantir a justiça e a liberdade para tudo. Somente um regime islâmico pode interromper todas as tentativas adicionais de infiltração imperialista em nosso país. (Carta Aberta do Hezbollah apud COSTA, 2006, p.293)
No transcorrer desses anos, de 1985 a 2008, o Hezbollah passou por modificações substanciais em seu discurso. Primeiramente, com o a priorização da luta contra o Estado de Israel visou alcançar o apoio dos demais estados árabes que estavam em litígio com os israelenses. Da mesma forma, ao defender a tese de que lutavam pela retomada da soberania territorial do Líbano, automaticamente conseguiam legitimar sua luta perante a comunidade internacional.

UMA MUDANÇA ESTRATÉGICA
Em 1990, com o final da Guerra Civil, o Hezbollah se viu diante do dilema de reafirmar seu posicionamento enquanto organização islamista ou optar pela flexibilização de seu programa e aceitar as regras político-eleitorais, o que implicaria na transformação da organização em partido político. De fato, o pragmatismo venceu e o Hezbollah optou pela participação no jogo político, porém, sem abandonar seu braço militar. Segundo Hamzeh (2004), a opção pela via política só foi possível devido à influência iraniana no processo que fez com que os partidários pela manutenção do estado de guerra contra o Ocidente fossem afastados da liderança e Nasrallah, alçado ao posto de secretário-geral. Um segundo fator que contou para essa mudança de perspectiva do Hezbollah foi o alinhamento de interesses entre iranianos e sírios para que a organização xiita se transformasse num partido político e participasse do pleito eleitoral de 1992 – primeiro depois da guerra civil, que começou em 1975 –, assim poderiam exercer sua influência, também, por vias políticas.
Como partido político, e detentor da legitimidade e legalidade para travar a luta contra o Estado de Israel, o Hezbollah tornou-se o único ator a lutar pela soberania territorial do Líbano. Essa condição foi sustentada até 2000, ocasião em que o poderio militar do Hezbollah sobrepôs-se à milícia cristã que apoiava Israel – SLA (South Lebanon Army) – e, na seqüência, fez com que o exército israelense deixasse a “Zona de Segurança”. Assim, o Líbano voltou a ter seu território reintegrado.
Pela primeira vez na história o exército israelense fora derrotado. Isso, para o Hezbollah fez com que sua popularidade alcançasse todo o mundo árabe. O modelo de atuação da organização xiita passou a ser exaltado pelos islamistas. Estava, ali, o Hezbollah diante de seu primeiro gol. Vencia a partida contra o Estado de Israel, no entanto ela ainda transcorreria e a repercussão dessa vitória precisaria ser analisada, no que tange à política interna libanesa.
No verão que se seguiu à retirada de Israel, um sério debate surgiu no interior do Hezbollah sobre se o foco [de ação] seria dado à questão política libanesa, tal qual a corrupção, ou manteria a postura de resistência no Líbano e no Oriente Médio, concomitantemente. Depois de discussões internas no partido, optou-se pela última estratégia [e] Nasrallah consultou o rakbar (ou líder) iraniano, Aiatolá Ali Khamenei, que deu sua bênção para continuar a resistência, especialmente no cenário israelo-palestino. (NORTON, 2007, p.90)

NOVAS REGRAS EM CAMPO
Com os atentados de 11 de setembro de 2001, as organizações consideradas, pelos Estados Unidos, como terroristas – dentre elas o Hezbollah –, passaram por um período de expectativa para perceber qual seria a estratégia de ação a ser adotada a partir de então. Tendo o Afeganistão e Iraque assumidos a linha de frente na reação estadunidense, o Hezbollah continuou galgando espaço político no Líbano graças à vitória militar obtida em 2000 contra Israel. Se, por um lado, não havia a possibilidade de ampliar a participação no cenário político nacional, por outro, gradualmente o Hezbollah ampliou sua base de apoio nas eleições municipais.
A posição do Hezbollah começou a sofrer algum revés com a campanha contra a presença Síria no Líbano, a partir de 2004. Contudo, como fiel aliado da Síria, o Hezbollah assumiu, com ênfase, posição contrária à vontade da maioria da população libanesa e acabou perdendo dos demais grupos religiosos que haviam solidarizado com sua luta travada contra os israelenses.
A situação do Hezbollah só veio a piorar com a saída das tropas sírias do Líbano em 2005. Apesar de alguns analistas entenderem que os movimentos sociais que impulsionaram esse processo – conhecido como “Revolução do Cedro” – fizeram florescer o sentimento nacional na população libanesa; para o Hezbollah houve uma derrota flagrante. Apoiar a permanência síria, de certa maneira, enfraquecia, inclusive, a causa do Hezbollah pela restauração da soberania do estado. Evidentemente que o argumento aplicado ao Estado de Israel não era estendido à Síria de maneira análoga, os sírios eram tidos como benfeitores que deveriam permanecer no país até se configurar o momento ideal para que o Líbano assumisse a responsabilidade por sua segurança.
O resultado desse apoio ao aliado sírio só não foi pior porque nas eleições que seguiram à retirada síria, o Hezbollah conseguiu ampliar sua base de apoio no Parlamento e aceitou participar do Gabinete pela primeira vez. A alegação para sua não participação anterior advinha do fato de que o partido entendia que se o fizesse estaria endossando a proposta política implantada pelo governo maronita, o que não era interessante.
Com a participação política ampliada, mas sem o apoio militar da Síria, o Hezbollah permaneceu travando sua luta pelo poder somente no âmbito interno até o início do segundo semestre de 2006. Nessa ocasião, uma ação mal planejada na fronteira entre Líbano e Israel levou o Hezbollah a seqüestrar e matar soldados do exército israelense. A impossibilidade de negociação imposta pelo primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, acerca da devolução de prisioneiro do Hezbollah em troca dos militares seqüestrados proporcionou as condições ideais para que Israel programasse sua invasão sobre o sul do Líbano e, também, às principais localidades do país.
A derrota moral que o Hezbollah sofrera ao opor-se à saída das tropas sírias do Líbano foi completamente revertida durante a invasão israelense. Isso porque a milícia xiita foi a única a se opor à violência imposta ao Líbano. Em seus 34 dias de invasão o exército de Israel não conseguiu destruir as bases do Hezbollah, porém, acabou com a infra-instrutora do país e vitimou mais de mil libaneses. Se, por um lado, o Hezbollah tivera que rever sua estratégia de jogo com o revés sofrido em 2005, por outro, com o final do conflito de 2006 e apoio da população libanesa – independentemente de religião –, os xiitas puderam voltar-se para a ofensiva na partida.
A partir do momento que houve o reconhecimento do valor da Resistência contra Israel, o Hezbollah aproveitou o ganho militar para explorar a situação política. Nessa marcha em busca de um novo gol, o Hezbollah apostou alto, exigindo, com isso, uma maior representatividade no governo, caso contrário o deixaria. A segunda opção vingou! Derrota? Não necessariamente.

EM BUSCA DO SEGUNDO GOL
Em novembro de 2007 o mandato do presidente Emile Lahoud chegou ao fim e não houve como encontrar um nome consensual para sucedê-lo. A lacuna de poder provocou a instabilidade política no Líbano e suscitou o risco de o país imergir numa nova guerra civil. O Hezbollah aproveitou o status adquirido após a vitória contra Israel (2006) para cobrar por “seus trabalhos prestados”. A diferença é que a população libanesa (considerando, aqui, os cristãos que reconheceram o valor da participação do Hezbollah na luta contra Israel) até aceitaria o Hezbollah como a Resistência, no entanto, abrir mão de sua participação no poder era uma discussão que não interessava ser travada naquele momento.
De fato, as discussões perduraram até meados de maio, quando, numa atitude de risco, o primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora – considerado “pró-Ocidente” –, depôs um chefe de segurança do Aeroporto Internacional do Líbano (partidário do Hezbollah) e fechou a emissora de TV do partido.
O resultado imediato foi o enfrentamento entre sunitas – liderados pelo bloco “pró-Ocidente” – e partidários do Hezbollah – “pró-Síria” – pelas ruas de Beirute e o receio de que estariam na iminência de que os avanços institucionais que o Líbano alcançara desde o fim da guerra civil iriam se perder. Em pouco menos de uma semana de atritos, a cidade de Beirute foi sitiada e os conflitos entre as milícias provocaram a morte de 64 pessoas, além dos feridos. A situação somente começou a reverter quando Siniora recuou com seu decreto e repôs o membro do Hezbollah no posto de comando no Aeroporto Internacional de Beirute, além de possibilitar a reabertura da emissora de TV do partido xiita.
A situação emergencial levou a Liga Árabe a convocar uma reunião em Doha para auxiliar no restabelecimento da governabilidade no Líbano. Nesse momento o Hezbollah conseguiu emplacar seu segundo gol, agora, contra os “pró-Ocidente”. Para que os conflitos cessassem definitivamente e houvesse a aceitação do nome do General Suleiman para a presidência, o partido exigia o direito de veto no novo Gabinete a ser constituído, além de que fosse feita a revisão da lei eleitoral para que os xiitas tivessem uma maior participação.
O que era inaceitável, inicialmente, para o bloco “pró-Ocidente”, acabou se tornando a única saída para que o Líbano não entrasse em um novo conflito interno. O risco em ceder tanto para o Hezbollah advém do receio de que o partido xiita venha a utilizar os meios democráticos para alçar o poder e, uma vez revestido dele, passe a colocar em prática seu projeto de instaurar uma república islâmica no Líbano.
Por outro lado, não aceitar a negociação seria partir para o enfrentamento direto com o Hezbollah e, objetivamente, nenhum grupo religioso no Líbano tem poder de fogo para enfrentá-lo – nem mesmo o exército nacional. Dessa maneira, talvez a escolha tenha sido feita a partir da opção “menos pior” – sob o ponto de vista dos partidários “pró-Ocidente”.
No entanto, apesar desse receio perdurar, é perceptível que o discurso do Hezbollah alterna-se gradativamente e o projeto de criação de uma república islâmica no Líbano vem sendo afastado por seu secretário-geral nas inúmeras vezes que se pronunciou a esse respeito. Segundo Nasrallah, o modelo islâmico ainda continua sendo o ideal, no entanto, no Líbano não há uma conjuntura político-social que viabilize sua implantação.
Por ora, cabe aguardar os desdobramentos dos fatos mais recentes para entender se o segundo gol marcado pelo Hezbollah corresponde a um avanço no sentido de incluir a população xiita no contexto sócio-econômico libanês, ou se servirá como trampolim para o partido galgar o poder e implantar seu projeto islamista.
Nesse sentido, o pragmatismo do Hezbollah é tamanho que ele disputa sua partida como se fosse uma final, alterna momentos de grande euforia com paradas momentâneas para reavaliar a estratégia. Aceita, inclusive, a substituição dos jogadores adversários sem se cansar, porém, no final, cabe a pergunta: contra quem o Hezbollah está jogando afinal? A vitória do Hezbollah representará o fortalecimento do Líbano? Se não for assim e o situação se configurar numa partida cujo único resultado é um jogo de soma zero, ainda assim os adversários evitarão a guerra civil? Como afirma Robert Fisk, “pobre nação”!

Notas:
[1] Essa data é comemorada pela comunidade libanesa e conhecida como “Dia da Vitória”.
[2] O Acordo foi celebrado na cidade de Taif, Arábia Saudita, envolvendo várias camadas da sociedade libanesa – parlamentares, grupos e partidos políticos, milícias e lideranças locais –, e estabeleceu as diretrizes que iriam pautar a vida política libanesa, excluindo o sectarismo e dirimindo as diferenças entre cristãos e muçulmanos. Também, como parte do acordo, as milícias se comprometiam a depor as armas dentro de um período de tempo previamente estabelecido, assim como Israel e Síria deveriam deixar o país para o restabelecimento da soberania territorial libanesa.

Referências:
BBC NEWS. “Lebanon vote ends leader deadlock”, disponível em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/7418953.stm>. Acessado em: 25/05/2008.
COSTA, Renatho. O Islamismo e suas Implicações no Processo Democrático Libanês. Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH/USP, São Paulo, 2006.
HAMZEH, Ahamad Nizar. In the Path of Hizbullah. Syracuse: Syracuse University Press, 2004.
LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliera, 2003.
NORTON, Augustus Richard. Hezbollah. Princeton: Princeton University Press, 2007.

2 comments:

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